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domingo, 1 de abril de 2012

Contos de fadas

Os contos de fadas, longe da mera aparência de fantasia e de ingenuidade de mulheres, de narrativas para crianças, abrigam verdade humana na sua essencialidade primitiva, bem como denunciam o aspecto político no que diz respeito à História do feminino.
Nilda Medeiros
Graduada em Letra pela Faculdade São Luis de Jaboticabal, pós graduada  em Teoria e Crítica Literária, em Teorias Linguísticas e Ensino e Mestre em Estudos Literários pela Unesp de Araraquara
 1. Origem
1.1  Perspectiva histórica
A origem dos contos denominados contos de fadas vem de longe. Um longe pré-histórico de acordo com Vladimir Propp; e um longe que é espaço-temporal em outra dimensão, a de um mundo que é sombra, que é sonho e que precisa ser habitado mais e mais para compreendê-lo.
No livro As Raízes Históricas do Conto Maravilhoso, Propp diz que os contos de fadas são oriundos das comunidades que não conheciam outra forma de subsistência além da caça. Esses primitivos habitavam um mundo que eles viam como misterioso e aterrador, e para manifestar as emoções vivenciadas criaram os mitos, os ritos, os símbolos.
Os ritos primordiais eram o de iniciação para marcar a entrada do jovem na vida adulta, e o rito fúnebre para marcar quando as pessoas morriam. Esses ritos se desenvolviam a partir de gestos e palavras imagéticas, ou seja, constituíam histórias que os explicavam. Tais histórias não eram, ainda, como os contos que conhecemos, mas já formavam os primeiros elementos das narrativas míticas, os primeiros contos.
Nelly Novaes Coelho (1991, p. 31), remetendo-nos mais uma vez à origem dos contos de fadas, observa a proximidade da poesia com as narrativas orais e, consequentemente, com os contos de fadas no seu nascedouro quando diz: “Foi no seio do povo celta que nasceram as fadas. Ou melhor, foi na criação poética céltico-bretã que surgiram as primeiras mulheres sobrenaturais a darem origem à linhagem das fadas”. Nelly N. Coelho, ao tratar da passagem da História para a lenda e para a Literatura, cita os textos-fontes, dentre eles Os Mabinogion:
Expressos em língua gaulesa, os Mabinogion, quatro poemas narrativos surgidos por volta do século IX, também pertencem àquela fronteira entre real e imaginário, onde cresceram os textos-fontes da narrativa maravilhosa. Neles nascem as fadas e, ao mesmo tempo, dá-se a passagem das aventuras “arturianas” da História para a lenda.
Os Mabinogion estão, pois, entre os mais antigos documentos da poesia primitiva céltico-gaulesa, a que está na origem da grande novelística da matéria bretã: as novelas de cavalaria do ciclo do rei Artur. Transformada pela imaginação celta (nutrida de lendas, feiticeiros, fadas, seres sobrenaturais, florestas encantadas, lagos e pântanos, castelos ou montanhas misteriosas, espectros etc.), a História transforma-se em lenda ou mito. (COELHO, 1991, p. 45).

Segundo a autora é no poema “O sonho de Rhonabry”, que as fadas podem ter sido mencionadas pela primeira vez. (1991; p.46).
1.2  Perspectiva psicanalítica
Segundo Propp, os contos nasceram dos mitos, dos ritos. Já o psicanalista Géza Róheim, contemporâneo de Freud, no livro The Gates of Dreams (RÓHEIM apud COLASANTI, 2004a, p. 229), fala da proximidade dos sonhos e dos mitos, e diz que eles não estabelecem apenas semelhanças, diz que muitos mitos originam-se dos sonhos.
Para argumentar sobre a origem dos contos de fadas, Marina Colasanti, em seu livro Fragatas para Terras Distantes, cita a nota inicial da edição francesa de 1978 do livro de Marie-Louise Von Franz, La loi de l’individuation dans les contes de fées, escrita pela tradutora Francine Saint René Tailhandier, cujo conteúdo mostra relatos de sonhos. Marina diz que tal nota inicial “[...] começa com seis páginas de relatos que diríamos extraídos de contos de fadas” (COLASANTI, 2004, p. 230).
A relação dos contos de fadas com os sonhos não é nova, basta observar o que diz Carl Jung (1964, p.69), na referência a um caderno que um cliente seu, psiquiatra, recebera da filha de dez anos de idade. Diz Jung: “Continha [o caderno] uma série de sonhos que ela tivera aos oito anos de idade. Foi a série de sonhos mais fantástica que já vi [...]”.
De acordo com o psicanalista, os relatos começavam com o protocolo dos contos de fadas Era uma vez. “[...] Com isso, a menininha sugere que cada sonho é uma espécie de conto de fadas, que ela quer contar ao pai como presente de Natal” (70).
Jung afirma ser impossível não associar tais relatos a algo elaborado conscientemente, somente quem conhecesse aquela menina afastaria tal possibilidade.
Nove dos doze sonhos estavam influenciados pelo tema da destruição. E nenhum deles revela qualquer traço de uma educação ou de uma influência cristã. Ao contrário. Estão mais relacionados com mitos primitivos. Essa relação se confirma em um outro motivo – o mito cosmogónico (a criação do mundo e do homem), que aparece no quarto e quinto sonhos.(p.72).

Jung continua argumentando sobre os sonhos da referida menina numa analogia com elementos e situações que a mesma jamais pudesse ter tido conhecimento ou ter vivenciado. Finaliza com a constatação de que os sonhos trouxeram o seguinte para a menina:
[...] uma preparação para a morte, expressa através de pequenas histórias, como os contos narrados nas cerimônias primitivas de iniciação ou os Koans, do Zen-budismo”. [...] Deve ter-se originado fora da tradição histórica, em fontes psíquicas há muito esquecidas e que, desde os tempos pré-históricos, têm alimentado a especulação religiosa e filosófica a respeito da vida e da morte.
Foi como se acontecimentos ainda por vir projetassem de volta a sua sombra, despertando na criança certas formas de pensamento que, apesar de habitualmente adormecidas, descrevessem ou acompanhassem a aproximação de um desfecho fatal. (p.75).

Os contos de fadas desenvolvem-se a partir de  duas dimensões: o “longe” como infinitude, transcendência, espaços do além mundo natural, da imaginação, do onírico e da fantasia que permeiam a existência humana – típicos espaços dos contos maravilhosos; e o “longe” como a memória, como o aspecto histórico que se articulam de diferentes maneiras na história da humanidade, guardando suas raízes como herança cultural. Esta herança viaja no tempo e no espaço, de boca em boca, como memória coletiva; viaja por meio das Sibilas, das Melusinas, da rainha de Sabá, das fadas, das feiticeiras, das velhas mexeriqueiras, das imagens em tapeçarias e afrescos, das xilogravuras, sem que se possa precisar o momento e o lugar exatos do seu início. E é como memória coletiva que chega a Nápoles do século XVII e ganha registros na escrita, em 1634, a partir de Giambattista Basile com o Pentameron.  Em 1697 chega também à França na boca da Mamãe Gansa de Charles Perrault.

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